Hoje, o medo da sociedade não é ilusório nem fruto de manipulação midiática. O quadro nacional de insegurança é extraordinariamente grave, por diferentes razões, entre as quais devem ser sublinhadas as seguintes: (a) a magnitude das taxas de criminalidade e a intensidade da violência envolvida; (b) a exclusão de setores significativos da sociedade brasileira, que permanecem sem acesso aos benefícios mais elementares proporcionados pelo Estado Democrático de Direito, como liberdade de expressão e organização, e o direito trivial de ir e vir. (c) a degradação institucional a que se tem vinculado o crescimento da criminalidade: o crime se organiza, isto é, penetra cada vez mais nas instituições públicas, corrompendo-as, e as práticas policiais continuam marcadas pelos estigmas de classe, cor e sexo.
Em vários Estados, a matriz da violência é o tráfico de armas e de drogas (o segundo financiando o primeiro e ambos induzindo à expansão e à intensificação da violência envolvida nas práticas criminais), que se realiza no atacado e no varejo. A dinâmica do comércio ilegal atacadista dá-se sobretudo por meio de criminosos do colarinho branco, extremamente eficazes na lavagem de dinheiro. Esses permanecem impunes, imunes às ações repressivas e à investigação das polícias estaduais, cuja obsessão tem sido o varejo, nas favelas, vilas e periferias. Nas áreas pobres em que o comércio varejista se instala, morrem meninos em confrontos entre grupos rivais ou com policiais, em suas incursões bélicas, as chamadas "políticas de segurança".
Fonte: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-40142003000100005&script=sci_arttext